15/04/2020

Como demonstrar propósito corporativo em tempos de coronavírus.

As empresas poderão definir sua conduta ao responder ao drama da COVID-19 – ou serão definidas por ele. Eis aqui como se estruturar para encarar o desafio.

 

Qual deveria ser o propósito de uma empresa quando o objetivo de tantos, neste momento, é sobreviver? Durante anos, executivos mais sofisticados buscaram encontrar um meio termo entre a necessidade de maximizar lucros em nome de seus acionistas e seu desejo de encontrar um propósito voltado aos temas de meio ambiente, responsabilidade social e governança (ESG, na sigla em inglês) em nome de uma ampla gama de segmentos envolvidos no seu negócio, incluindo clientes, funcionários e comunidades. Mas, de repente, surgiu a COVID-19. Com empresas grandes e pequenas fechando as portas e milhões de pessoas se recolhendo para um isolamento forçado, a magnitude da crise do coronavírus confronta os líderes corporativos com o mais importante desafio econômico de suas vidas. E, como se não bastasse, ele também demanda deles um momento de introspecção existencial: o que define o propósito de sua empresa – qual seu principal motivo para existir e seu impacto no mundo?

Em salas de reunião reais e virtuais, questões fundamentais e urgentes estão na mesa. Quanto tempo isso tudo vai durar? Como vamos pagar os funcionários em licença? O que nossos pares estão fazendo? O que devemos fazer primeiro? Empresas globais jamais tiveram tanto poder quanto elas têm hoje para alavancar sua escala e beneficiar a sociedade em um momento de crise mundial. E, igualmente, jamais as ações e os comportamentos dos executivos estiveram sendo tão intensamente foco de atenção. Em momentos de crise, a expectativa padrão é que as empresas deverão se retrair e focar nos fundamentos financeiros. De fato, muitos CEOs acabam forçados a fazer movimentos defensivos para proteger seus negócios. Mas, nesta crise, as necessidades dos envolvidos são tão severas que a oportunidade de as empresas deixarem uma marca indelével em termos de propósito, empatia e suporte humano é maior do que nunca.

Lições do passado chamam a atenção e servem de alerta. Durante uma situação que mais parece um campo de batalha, as palavras e as imagens de líderes de guerras passadas ecoam em nossas consciências como ícones de resiliência e preocupação com as pessoas. Em períodos anteriores em que houve choque econômico, as ações de executivos – tanto boas como más – passaram a fazer parte das histórias das empresas e forjaram percepções que persistiram por muitos e muitos anos. Da mesma forma, as decisões tomadas durante esta crise definirão a identidade das empresas e contarão uma história que deixará traços, perdurando ao longo do tempo mesmo depois de a COVID-19 deixar de ser uma ameaça.

Nesta crise, os executivos escolherão entre ficar de fora ou se engajar – e, os que se engajarem, deverão escolher liderar ou seguir os demais. Aqueles que criaram e nutriram cuidadosamente um sentido de propósito em suas empresas encontrarão uma base e um conjunto de valores capazes de guiar ações fundamentais e decisivas. Para outros, este momento pode representar os primeiros passos no sentido de definir seu propósito corporativo de maneira deliberada. É este o momento em que empresas com propósito demonstram como usar seu lucro para o bem ou que mostram como tudo que uma empresa faz pode ser para o bem?

Quando as salas de reunião se tornam centros de comando de guerra, alguns princípios podem ajudar a guiar os executivos para definir um curso de ação fundamental e construir um sentido de identidade e propósito poderoso, que perdurará por muito tempo depois de esta crise imediata ter sido debelada.

Entenda quão severas são as necessidades atuais das pessoas envolvidas no seu negócio

Analise exatamente o que está em jogo para seus funcionários, suas comunidades, seus clientes, seus parceiros e os proprietários de sua empresa. Todos estes grupos terão necessidades urgentes, crescentes e contínuas. Algumas dessas necessidades serão novas e demandarão soluções criativas. Ouça atentamente as partes envolvidas mais bem posicionadas para servirem de informantes. Dentre os varejistas de alimentos, por exemplo, as necessidades de funcionários e clientes, bem como o atendimento à sociedade de forma mais ampla, geralmente estão à frente e no centro de tudo. Ainda assim, à medida que a crise foi se intensificando, surgiram relatos de varejistas desse segmento que aumentaram os preços de seus produtos. Já outros, como a varejista de alimentos canadense Loblaws, atuaram rapidamente: com a ampliação das medidas de distanciamento físico, a empresa passou a abrir suas lojas mais cedo para clientes idosos, aumentou a remuneração de funcionários da linha de frente e se comprometeu a manter os preços no mesmo nível pré-pandemia.

É importante também estar preparado para tensões à medida que surgem cada vez mais trade-offs entre os grupos de envolvidos, cada qual com suas necessidades específicas. Por exemplo, aumentar os salários de funcionários da linha de frente pode criar a necessidade de reduzir os pagamentos a fornecedores. Para varejistas e serviços de entrega, fechar centros de distribuição temporariamente para manter os funcionários em segurança pode significar prazos mais longos para a realização de entregas a clientes.

 

Faça uso de seus pontos fortes mais importantes

Quais os pontos fortes que a sua empresa tem e que podem ser utilizados para fazer uma maior diferença neste momento para os segmentos envolvidos no seu negócio? Uma situação financeira robusta pode ser a forma de sustentar os funcionários durante a crise. Uma rede logística única pode ser empregada para levar ajuda a pessoas necessitadas. Uma planta pode mudar seu formato de produção para produzir e entregar insumos médicos urgentes. Resista à tentação de fazer tudo sozinho. Colabore intensamente com seu ecossistema de fornecedores e clientes – eles podem ser capazes de identificar pontos fortes que você nem sabia que tinha.

Tanto grandes organizações como pequenos negócios estão se adaptando e reestruturando suas habilidades para responder à crise: uma boutique de vestidos de noiva em Nova York reagiu ao adiamento de suas encomendas produzindo máscaras de proteção para o pessoal da saúde, enquanto os fabricantes franceses de perfume se reestruturaram para produzir álcool gel para mãos. Fabricantes de peças automotivas e montadoras adaptaram suas linhas de produção para montar ventiladores pulmonares. Lições aprendidas no passado podem ajudar a pensar soluções criativas: em 2010, quando a zona rural da Tanzânia precisou de insumos médicos urgentes, a Coca-Cola usou seu vasto sistema capilarizado de entregas, capaz de chegar às áreas mais distantes, para reduzir os prazos de entrega de 30 para cinco dias. Participar da esfera pública no calor de uma crise pode fazer surgir sinergias impressionantes e soluções criativas que permanecerão válidas por muito tempo.

Colabore intensamente com seu ecossistema de fornecedores e clientes – eles podem ser capazes de identificar pontos fortes que você nem sabia que tinha.

Confronte suas decisões à luz de seu propósito

Em tempos de grande incerteza, use sua intuição para questionar suas decisões quando comparadas a seus valores como líder e como organização. Suas escolhas estão alinhadas à sua identidade? Tudo o que você fizer agora será analisado quando a poeira assentar. Suas ações e sua identidade serão percebidas como consistentes?

Comunique de maneira clara não apenas suas decisões, mas também a sua lógica de embasamento – bem como os trade-offs que você levou em consideração. Você é capaz de explicar suas decisões aos mais céticos? As decisões que você tomou serão motivo de orgulho? No setor de serviços financeiros, muitos executivos de bancos reportam a perda de crédito, assim como de liquidez e financiamento, como sua maior preocupação. Mas os bancos também têm um compromisso social de longa data: dar apoio a negócios e famílias na forma de concessão de crédito. Aqueles bancos que pararem de conceder financiamento durante uma crise estarão se definindo no contexto de interações futuras com as comunidades em que operam.

Finalmente, se você abraçou iniciativas nas áreas de meio ambiente, responsabilidade social e governança, não tire recursos de uma para dar à outra – não corra o risco de parecer “roubar de Pedro para dar a Paulo”. Nesta crise, pode haver a tentação de reduzir programas ambientais para conseguir dar maior suporte às necessidades prementes da área social. Mas cuidado para não dar a impressão de estar abandonando causas apoiadas fortemente pelos segmentos envolvidos em sua esfera de atuação – os apoiadores dessas causas costumam ter boa memória.

Envolva seus funcionários na solução

Toda crise traz oportunidades de construir um senso comum de propósito com os funcionários de sua empresa – eles provavelmente estarão buscando uma liderança forte e formas de se engajarem. Este momento pode levar ao surgimento de uma nova geração de líderes. Pode ser tentador se recolher e criar forças-tarefa pequenas, com processos decisórios enxutos para que as decisões sejam tomadas o mais rápido possível. Mas líderes com sentido de propósito devem procurar compartilhar os planos de execução com seus funcionários de forma mais ampla, de maneira a solicitar inputs e engajá-los nos desafios enfrentados pela organização, incluindo os trade-offs complexos que precisarão ser considerados.

Muitos funcionários e suas famílias estão sofrendo com isolamento e perda de renda, o que os leva a refletir sobre o que realmente importa. As ações dos líderes da crise neste momento podem estimular a unidade coletiva e a sensação de pertencimento. Quando essas decisões são oriundas dos princípios e do propósito em que a organização se baseia, será mais fácil transmitir confiança nos resultados positivos, mesmo quando as decisões são penosas.

Há também vantagens em reunir os funcionários para lidar com os problemas de novas maneiras. A criação de equipes multidisciplinares com pessoas de diferentes áreas da organização para buscar soluções para os problemas, por exemplo, pode ajudar a acabar com o longo costume de atuar em feudos. Quando o furacão Katrina assolou os Estados Unidos em 2005, o Walmart intensificou seu apoio às iniciativas de mitigação do desastre e pediu a seus funcionários que entregassem suprimentos em áreas de difícil acesso. Ao mesmo tempo, a empresa garantiu que todos os funcionários de lojas e instalações localizadas nas áreas de desastre manteriam seus empregos em outras localidades durante, e mesmo depois, do ocorrido. Quando o furacão Harvey pegou Houston em 2017, a Texas Mutual Insurance imediatamente atuou para garantir a segurança de seus funcionários, fechando seus escritórios e fornecendo suprimentos e carros da empresa para o pessoal afetado pelo desastre. A seguradora também apoiou a comunidade em que atuava, concedendo US$ 10 milhões em doações para ajudar os detentores de apólices a reconstruírem suas vidas.

Lidere a partir da linha de frente

Liderar durante uma crise nunca é fácil, mas tempos difíceis deixam marcas muito mais duradouras na identidade de uma empresa. Uma liderança efetiva tem na credibilidade um elemento tanto essencial como frágil. Em uma pesquisa recente da McKinsey com funcionários de organizações dos Estados Unidos, 82% dos mais de 1.000 respondentes confirmaram a importância do propósito de uma empresa, mas somente 42% relataram que o propósito declarado das empresas em que trabalhavam tinha efeito prático de verdade. Isto serve de alerta em relação à natureza genérica das declarações sobre identidade da maior parte das organizações, mas também identifica uma oportunidade de surpreender e desmentir os segmentos mais céticos. Ações autênticas demonstrarão aos funcionários o comprometimento genuíno da empresa com seu propósito social.

Comunique logo e com frequência, mesmo que as informações sejam incompletas. Lembre-se que, neste momento, as pessoas que estão sofrendo buscam empatia, mas também querem líderes capazes de encarar os fatos de forma nua e crua, sem condescendência. Mantenha-se ágil para quando as situações mudarem – e elas certamente mudarão. Adapte-se às condições em contínua evolução e às novas informações, em vez de retornar a uma forma mais estática de agir. Traga perspectivas sobre os detalhes da crise naquele instante, com uma visão micro para dar segurança aos segmentos envolvidos de que as ações estão sendo realizadas com competência. No entanto, também adote uma visão mais macro de como será a recuperação no futuro. Em algum momento, a crise da COVID-19 passará. Famílias e empresas farão um inventário de suas perdas e começarão a reconstruir. Agir de forma alinhada com os princípios do propósito de sua organização contribuirá para equilibrar essas perspectivas e demonstrar confiança na capacidade de sua empresa de chegar a uma solução positiva.

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Neste momento tão crucial, os executivos estão em uma posição única para utilizar o poder corporativo – guiado por um propósito social – para ajudar milhões de pessoas desalojadas e de vidas vulneráveis. Se realizadas de forma correta, suas ações nesta crise podem servir para construir uma ponte nunca antes vista entre acionistas e as partes envolvidas nas comunidades em que atuam, deixando um legado positivo e duradouro para sua identidade corporativa.

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Sobre o(s) autor(es)

Bill Schaninger é sócio sênior do escritório da McKinsey na Filadélfia, e Bruce Simpson é sócio sênior do escritório de Toronto, onde Han Zhang e Chris Zhu atuam como consultores.

 

link da matéria: https://www.mckinsey.com.br/our-insights/demonstrating-corporate-purpose-in-the-time-of-coronavirus

Autor: Por Bill Schaninger, Bruce Simpson, Han Zhang, e Chris Zhu FONTE: McKinsey

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